segunda-feira, 15 de outubro de 2012

A publicidade tem por fim resolver os problemas do anunciante no momento em que é divulgada. Um exemplo da Paraíba, no século XIX... Cândida a criôla fula é uma prova com 150 anos de história...

Há uma boa coleção de livros tratando do início da publicidade no Brasil. O século XX é considerado o ponto de partida da boa propaganda que começamos a criar no Brasil devido a uma série de fatores favoráveis:

1. Crescimento do mercado interno
2. Aparecimento de mais jornais e revistas
3. Nascimento do rádio
4. Inauguração das primeiras emissoras de televisão

Claro que o crescimento das vendas no comércio está diretamente vinculado à proliferação dos reclames – como eram chamados os anúncios desde que começaram a surgir.

Mas, o Brasil chegou ao século XX já acostumado a ler nos jornais os anúncios de produtos, serviços e venda ou aluguel de pessoas. O Jornal do Commercio do Rio de Janeiro deveu os seus primeiros anos ao seu sucesso como mídia para atender às necessidades do mercado.

Num trabalho acadêmico de uma pesquisadora paraibana Roseane B. Feitosa Nicolau encontrei um anúncio classificado que tem o dom de nos levar numa viagem no tempo e nos possibilitar uma olhada no que bem poderia transformar-se numa novela ou filme de época.

No dia 14 de setembro do anno passado fugio do abaixo assignado uma escrava de sua propriedade, de nome Cândida, de 20 a 22 annos de idade, e com os seguintes signaes: criôla fula, boca grande, dentes limados e bem alvos, olhos grandes e muito vivos, estatura alta e não muito secca, e andando estalam-lhe as juntas dos pés; a referida escrava foi da Sra D. Joanna, sogra do Sr. Barbalho, da Serra d’Araruna, em cujo lugar tem ella pais, irmãos e mais parentes, e por conseguinte apoio, foi também ao Sr. Capitão Justiniano, morador na mesma Serra, que com ella fez pagamento n’esta praça ao Sr. José d’Azevedo Maia, a quem comprei-a. Em conseqüência de muitas recommendações e annuncios, foi presa em dias de junho no engelho Sucurú em Goianinha, província do Rio Grande do Norte, pelo proprietario de dito engenho, o Sr. Antonio Bento de Araújo Lima, que m’a remetteu sob a guarda de Antonio Felix de Lima,o qual pernoitando em Miriri no dia 13 de julho, ali a deixou novamente fugir.O mesmo abaixo assignado não só recommenda a prisão da referida escrava, como gratifica com cem mil réis a quem a pegar, e trouxer à sua casa nesta capiatal, rua das Convertidas. n.37. Parahyba, 2 de setembro de 1862. Antonio Francisco Ramos
(O Publicador, 3 de setembro de 1862)-


O que chama mais a atenção nesta peça publicitária publicada há exatos 150 anos:

1. A fuga da Cândida havia ocorrido um ano antes da publicação deste anúncio.
2. O Antonio Francisco Ramos descreve Cândida com muito cuidado fixando-se em alguns detalhes que devem mais do que justificar o seu empenho em reencontrá-la:

a. 20 a 22 anos de idade
b. Criôla fula – (o que será explicado a seguir)
c. Boca grande
d. Dentes limados
e. Bem alvos
f. Olhos grandes e muito vivos
g. Estatura alta
h. Não muito secca
i. Andando estalam-lhe as juntas dos pés

3. Conta a história da aquisição, da fuga e da prisão de Cândida em junho de 1862 no engenho Sucurú em Goianinha cujo proprietário Antonio Bento de Araújo Lima a prendeu e a remeteu sob guarda de Antonio Felix de Lima para o seu proprietário.

4. No caminho o Antonio Felix resolveu pernoitar em Miriri e no dia 13 de julho de 1862 a deixou novamente fugir.

5. Então o anunciante “abaixo assinado” recomenda a prisão da referida escrava e promete gratificar com cem mil réis quem a trouxer na capital da Paraíba na rua das Convertidas n.37 .

6. O anúncio saiu no jornal “O Publicador” no dia 3 de setembro de 1862


Uma criôla fula era originária de Cabo Verde onde a língua falada era o criolo uma mistura de dialeto africano com português em que têm origem algumas particularidades da fala brasileira como é o caso do “Modi”.

Modi fazer alguma coisa quer dizer “Para fazer alguma coisa”, sendo o “Modi” bem mais sintético.

Os Cabo Verdianos têm características de beleza bem especiais e a foto de Cândida, seguindo a descrição de seu proprietário poderia ser a da jovem da foto identificada no Google como uma beleza cabo verdiana.

A recompensa de 100 mil réis era em 1862 o dobro do preço de uma escrava de 18 a 40 anos.

Era um pagamento que tornaria quem se dispusesse a trazer Cândida de volta a casa de Antonio muito mais atento para evitar uma nova fuga.

Não há como descobrir-se o que aconteceu depois do anúncio, mas para isto há apenas duas hipóteses: Cândida ter sido devolvida a Antonio , ou Antonio não receber Cândida de volta.

Nos dois casos existem várias das situações dramáticas das 36 listadas por George Polti em 1916 em que você vai encontrar todos os plots para escrever qualquer novela, desde que tenha talento para isto.

Mas, no caso paraibano da Cândida é impossível não ceder à tentação de imaginar o frustrado Antonio ver um ano se passar e Cândida não dar o ar de sua graça. Em sua casa na Paraíba.

O pior foi a esperança em junho desvanecida pela desatenção de Antonio Felix que deixou Cândida, mais uma vez desaparecer sem deixar vestígio.

Algo absolutamente inacreditável para quem ao viajar pelo sertão olhasse em volta pois a presença de Cândida seria impossível de passar despercebida em qualquer lugar em que estivesse.

Cândida, sendo vista deste momento, 150 anos após a sua segunda fuga, parece bem mais esperta do que todos os Antonios que a cercavam.

O classificado no O Publicador venceu a barreira dos 150 anos e chegou até nós evidenciando quê forças regiam o mercado, a cabeça dos seus líderes e a certeza de que a publicação do anúncio não iria chocar ninguém.

Esta é uma grande função dos anúncios: revelam o momento da sociedade em que são veiculados.

Mas, que a Cândida devia ser uma beleza, atemporal, disso você não tenha dúvida...


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