quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Meus oito anos depois de algumas décadas...



Acho que não há ninguém que desconheça os primeiros versos de Meus Oito Anos:

Oh que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais

Estes versos são usados como um ícone para os anos saudosos da infância assim como citamos o ufanismo , do Por que me ufano de meu país, como um outro ícone das virtudes do Brasil.

Pouca gente, e na minha certeza, quase ninguém conhece os versos todos nem pensa neles. E se pensa, os imagina como algo meio fora de época, como eram as roupas das mulheres cheias de panos do início do século XX.

Hoje de manhã, porém, a rádio BandNews, num programete do Juca de Oliveira lendo textos diversos estes Meus Oito Anos me fez engasgar de emoção, quase indo às lágrimas enquanto dirigia para o escritório.


Casimiro cujo melhor retrato é este aí acima era filho de um português imigrante pobre que enriqueceu no comércio e com a agricultura e de uma fazendeira, Luisa Joaquina das Neves , com quem não se casou embora tivessem uma paixão avassaladora .

Casimiro em sua infância nunca morou com o pai e limitou os seus estudos, além das primeiras letras na fazenda da mãe, a três anos ( dos seus 11 aos 13 anos) no Instituto Freeze em Friburgo.

Daí em diante seu pai tratou de encaminhá-lo para o comércio, no Rio de Janeiro, de onde o carregou aos 14 anos para Lisboa onde ele poderia preparar-se melhor para a vida comercial.

Neste momento o menino já escrevia para si próprio e colaborava na imprensa local com crônicas e poesias que dividiam espaço com grandes autores portugueses como Alexandre Herculano e Rebelo e Silva.

Quando voltou ao Brasil, já meio adoentado, no Rio conviveu com Machado de Assis, Manoel Antonio de Almeida escreveu para os jornais, mesmo sendo um quase menino cheio de complexos, dizendo-se um filho dos trópicos e na maneira da época devia considerar-se um autêntico “filho da mãe”.

Bota angústia nisto.

Só teve publicado um único livro “Primaveras” cuja edição foi paga pelo pai que devia reconhecer no garoto qualidades que iam além de sua vocação forçada para o comércio.

Foi Casimiro que criou a expressão “Simpatia é quase amor” num de seus versos e esta expressão passou a ter uso corrente nos meios literários durante os primeiros anos dos século XX.

E veio batizar um bloco carnavalesco de Ipanema de que faziam parte Bussunda e a turma do Casseta às vésperas do Carnaval de 1985.

Detalhe: Casimiro de Abreu jamais foi citado como autor da frase Simpatia é quase amor...

Pois bem, hoje de manhã quando o Boechat anunciou o momento literário do jornal do Rio com o Juca de Oliveira recitando os “Meus oito anos” me preparei para alguns segundos de chatice erudita.

Mas, à medida que o Juca falava, aqui e ali sentia a emoção aflorar. Em alguns trechos mais do que aflorar a emoção vinha à garganta e ficava ali engatada me deixando bem sem graça diante de meu preconceito inicial. O texto bem lido e interpretado era uma joia rara que merecia muito mais atenção que eu jamais havia dado a estes poetas de nosso passado.

Quando o Juca terminou o Boechat também devia estar emocionado, pois lembrou que o Paulo Autran, num programa Canal Livre da TV Bandeirantes decidiu recitar de memória o poema terminando-o muito emocionado ao vivo, coisa que não costuma acontecer com os grandes atores.

O Rex Harrison disse um dia que o grande ator, para ser um grande ator mesmo, transmite as emoções levando os espectadores a chorar, mas ele não chora.

Ora, o Boechat me consolou pela minha emoção e minhas quase lágrimas com esta citação.

Agora vou mostrar aqui o texto dos Meus Oito Anos. Leia com toda as suas emoções e veja como toca as cordas mais sensíveis de sua mente:


MEUS OITO ANOS Casimiro de Abreu

Oh que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais

Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras,
A sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais.

Como são belos os dias
Do despontar da existência
Respira a alma inocência,
Como perfume a flor;

O mar é lago sereno,
O céu um manto azulado,
O mundo um sonho dourado,
A vida um hino de amor !

Que auroras, que sol, que vida
Que noites de melodia,
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar

O céu bordado de estrelas,
A terra de aromas cheia,
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar !

Oh dias de minha infância,
Oh meu céu de primavera !
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã

Em vez das mágoas de agora,
Eu tinha nessas delicias
De minha mãe as carícias
E beijos de minha, irmã !

Livre filho das montanhas,
Eu ia bem satisfeito,
Pés descalços, braços nus,
Correndo pelas campinas
A roda das cachoeiras,
Atrás das asas ligeiras
Das borboletas azuis!

Naqueles tempos ditosos
Ia colher as pitangas,
Trepava a tirar as mangas
Brincava beira do mar!

Rezava as Ave Marias,
Achava o céu sempre lindo
Adormecia sorrindo
E despertava a cantar !

Oh que saudades que tenho
Da aurora da minha vida
Da, minha infância querida
Que os anos não trazem mais

Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras,
A sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!


Para terminar este longuíssimo texto.

Casimiro morreu antes de completar 22 anos, tuberculoso, na mesma Fazenda da Prata de sua mãe onde havia nascido.

Casimiro embora tenha sido considerado pelos críticos como um poeta menor é o patrono da cadeira 6 da Academia Brasileira de Letras.

Ele não merece?

2 comentários:

Fábio Adiron disse...

Pio

Duas observações.

Poeta menor, só para os críticos menores.

O texto do Casemiro está muito longe de ser longo, a gente lê e não para. Longos são aqueles que depois de duas linhas já entediaram.

Talvez que diga, recordando tarde
O doce anelo do feliz cantor:
- "Meu Deus! nas folhas do meu livro d'alma
Sobram perfumes - e não falta amor!"

Abraços poéticos

Pio Borges disse...

A capacidade do poeta chegar ao âmago da vida e ser capaz de nos levar junto com eles até lá - em especial os não dotados com a sua arte - deveria ser festejada todos os dias.
No Passeio Público do Rio de Janeiro havia no passado uma cuidadosa distribuição de bustos de poetas entre plantas e árvores. Acho que não estão mais lá.
Mas, diante do que você escreveu e do que o Casimiro de Abreu foi capaz de dizer antes de completar 22 anos isto deveria ser repensado.