segunda-feira, 16 de abril de 2012

Deus, como sabemos, é brasileiro... Mas não é só Ele!

Um país com mais de 8 milhões de quilômetros quadrados em meio a um continente com mais de 20 países.



Uma população incrivelmente otimista, que realmente se acredita protegida de alguma forma especial por Deus ao constatar que o país escapa das grandes devastações naturais – terremotos, vulcões, furacões, tufões, tsunamis – embora sofra com percalços diversos.


Há inclusive a piada do arcanjo Gabriel que discretamente pediu a atenção do Criador para esta sucessão de privilégios para esta região da Terra comparativamente às demais.


O Senhor com gesto de acolhimento à crítica ousada de Gabriel teria se limitado a dizer:

- Espere para ver a gente que vou botar lá...


Ora, na verdade o editor deste Almanaque assegura que o Deus supremo de fato se excedeu exatamente ao juntar as várias gentes que vieram a formar o nosso país continente.


De onde parecia que nada poderia dar certo numa receita com tantos ingredientes conflitantes eis que passados os anos, os séculos, a mistura foi se apurando como num prato destes que requerem a ação do mestre cuca por vários dias. E chegou agora ao século XXI com um sabor todo especial.
Mas, bem volto ao mas mais adiante...


Os obcecados com a objetividade não podem sequer ousar desconsiderar a ousada afirmativa deste repórter/editor: os bilhões de dólares que aportam ao Brasil nos últimos meses em busca de bons investimentos falam por si.


O passado geológico da terra, antes de se cogitar da existência de um Brasil, poderia justificar a observação do arcanjo Gabriel da piada.
Boas terras, muita água na superfície, muitos minérios no subsolo, petróleo até no fundo da fenda formada com a separação da África debaixo de alguns poucos quilômetros de sal fóssil, sol todo o ano, oceano cheio de vida e de bons ventos.


Durante uns 500 anos estas coisas tão boas não podiam ser aproveitadas por falta de equipamento e tecnologia. O fim do século XX começou a suprir uma coisa e outra como passou a formar ou importar gente capaz de botar isto em funcionamento.


Parece bom demais e este texto está correndo risco de ser uma reformulação do ufanismo do barão Afonso Celso um século depois de suas constatações otimistas e sempre contestadas pelos seres pensantes do Brasil.


Quem começou esta onda de boas novas foi o Pero Vaz de Caminha, dizendo que aqui se plantando tudo dá. Notar em especial o tudo do escrivão cronista da frota de Pedro Álvares Cabral.


Houve também o livro de Stefan Zweig , Brasil, país do futuro, antes da Segunda Guerra Mundial, sempre citado como a manifestação de um refugiado do nazismo atordoado por suas observações otimistas em relação ao país que o acolheu. E que por muitos outros motivos suicidou-se pouco depois de escrever o livro.


Um componente permanente do Brasil do passado, presente e futuro é a ironia, a disposição incontida de poder perder o amigo, mas não perder a piada.


Se o cara que achava que o Brasil era o país do futuro se matou era porque este futuro mesmo não podia ser esperado. Seu gesto falou mais alto do que todas as suas palavras, por melhores que tivessem sido.


Mas, que ainda não é o mas que será explicado a seguir, ao fazer esta avaliação leviana sobre o Brasil poderíamos também relacionarmos e avaliarmos tudo o que nos aconteceu nos últimos 50 anos – que fizeram pelo menos parte de minha vida – como provas de nossa maré de má sorte, apesar de termos um Deus brasileiro... que como todo mundo por aqui devia estar deixando as coisas correrem soltas, embora Ele pudesse mudar tudo isto se de fato estivesse disposto a trabalhar...



A sugestão deste Almanaque é que todas as coisas ocorridas por aqui, desde o suicídio do Getúlio, da eleição do JK e de sua louca obsessão de construir uma nova capital em 5 anos, à eleição do Jânio que ao renunciar fez despencar o país numa combinação de montanha russa com trem fantasma que ainda não chegou à parada final...


E mais: a indústria metalúrgica fabricando veículos e poluição por estradas construídas quase sempre por custos superfaturados, o crescimento explosivo da população que entre o meu nascimento e este mês de abril de 2012 aumentou em 160 milhões de pessoas, a proliferação de cidades e municípios gerando administradores mal formados, muitos mal intencionados, muitos oportunistas, muitos simplesmente safados tudo isto entra na categoria:


Deus escreve certo por linhas tortas.


Os muitos menos somados na álgebra brasileira acabaram virando agora – e o agora é fugaz – num grande mais, que rapidamente pode esvanecer-se “alguém não tomar alguma providência” outra grande pérola da sabedoria nacional sempre repetida quando a própria pessoa que a recita não está disposta a correr riscos “desnecessários”.


Propõe o Almanaque que você leitor e leitora olhe a sua volta.


De acordo com os seus próprios critérios – não pelos critérios de economistas, universidades, institutos de pesquisa nacionais ou internacionais – pense e repense na sua própria vida e na vida das pessoas que lhe sejam mais próximas.


Todos estamos mais estressados, mais pressionados pelas novas demandas da sociedade, mais preocupados em assegurar o nosso futuro pelo menos em condições semelhantes às que temos agora.


Note bem: assegurar o futuro em condições semelhantes às condições de que desfrutamos agora.


Para os obcecados com a objetividade a migração do que antes era considerada classe D e E para a classe C funciona como um equalizador da análise econômico-financeira.



Da mesma forma que se prova impossível a população estar melhor do que o país em que vive, é impossível a população como um todo ser consistentemente pior do que o país em que vive.


Melhora a vida em Macaé, por causa do apoio ao pessoal que está trabalhando na extração de petróleo no mar em frente. O varredor da pizzaria melhora de vida, mesmo sem embarcar um único dia para as plataformas oceânicas.


O agricultor sempre visto como um flagelado no Piauí, no Ceará que só eram notícia nacional em grandes secas ou grandes inundações está hoje numa área que silenciosamente cresce aos saltos na produção de soja numa terra em que a tecnologia permite colher quase mil por cento a mais por hectare do que antes era possível obter sem a ajuda dos engenheiros agrônomos brasileiros.


Saia voando pelo Brasil e visite todas as cidades que possuam aeroportos onde possam operar voos comerciais. Avenidas, grandes construções e shopping centers as tornam parte de uma rede – que aporrinhação ! – de cidades engarrafadas, onde antes não havia poluição nem muito menos assaltos – e que agora “modernizam-se” à força.


E as populações desassistidas? Antes pequenas localizadas em ambientes que tinham pouco a lhes oferecer, e hoje inseridas como fungos nas brechas de todas as cidades?


Se você percebe que afinal de contas as desgraças são infinitamente menores do que as virtudes há de concordar que a velha tradição de ser Deus brasileiro, mas ( e este é o mas que prometi lá no início ...) é preciso prestar atenção na tradição de todas as religiões.


Deus não tem sentido se não tiver a confrontação do demônio. As maravilhas do paraíso precisam ser comparadas ao sacrifício eterno do inferno.

É o yang e o yin que está na bandeira da Coreia é o côncavo e o convexo.

O fato jamais contestado por nós de que Deus é brasileiro nunca( ao que saiba o editor deste Almanaque) , foi comentado com o seu corolário irrecorrível: o diabo também está por aqui atuando com todas as suas forças para não perder de vez o seu eleitorado.
A


As provas da atuação do demônio estão todos os dias nas páginas dos jornais, no noticiário da televisão e do rádio, nas postagens da Internet, na intercepção dos telefonemas de muitos de seus seguidores, nas revistas semanais de notícias.


A nós incorrigíveis otimistas herdeiros de Afonso Celso, correligionários de Stefan Zweig brasileiros que amadureceram nos anos mais duros e estamos hoje diante deste cenário encantado nos cabe confiar, desconfiando - como disse o presidente Floriano Peixoto.


Nos cabe cuidar de nossa calçada, mantendo-a limpa e contar que quanto mais gente faça o que fazemos vamos acabar tendo uma rua toda limpa, prazerosa de ser percorrida de ponta a ponta,


Olhando tudo em volta e confirmando que Deus é mesmo brasileiro sem perigo de pisarmos num buraco ou no coco do cachorro...

É preciso não esquecer o que o Glauber Rocha nos mostrou no “Deus e o Diabo na Terra do Sol”:


Aquilo lá somos nós mesmos.

Com os agradecimentos ao filósofo Millor Fernandes

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