quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

O que faz a propaganda sagrada é o uso da palavra. Nós só fazemos o que fazemos movidos por palavras mágicas que comandam nossas ações.


"No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas por meio dele" (João 1:1-3).


Pode parecer estranho iniciar um texto sobre propaganda com uma citação do evangelho de João, do Novo Testamento, escrito por João na cidade de Éfeso (hoje na Turquia) por volta do ano 100 da nossa era.

E ainda por cima esta passagem que sempre teve interpretações controversas para os estudiosos da Bíblia. Mas, até por isto, a considero como a mais poderosa e mais antiga declaração da importância da propaganda.

Fico fascinado pela determinação do redator João ao dizer em nome de Deus que o verbo, ou a palavra, ou o logos (em grego) não só estava com Deus como era o próprio Deus, acima de tudo o que os homens poderiam ser ou fazer. Nem o mais megalomaníaco publicitário de hoje teria coragem de dizer algo assim...

Para todos nós que ganhamos a nossa vida e construímos a nossa carreira usando palavras há citações neste texto de João que comprovam para mim a força destes pedaços de ideias na evolução de nossa espécie.

O homo sapiens, a única forma de vida existente no universo capaz de escrever e ler livros, teve o início de sua evolução zoológica 100 mil anos antes da redação deste texto: isto ocorreu quando em algum lugar do que hoje é território da Tanzânia um de nossos antepassados usou o verbo para reunir um grupo de animais de sua espécie e os convenceu a iniciar uma mudança de local rumo ao norte.

Ele não sabia o que poderia encontrar, não podia assegurar qualquer certeza a seus companheiros, não sabia o que seria preciso para movimentar-se e conseguir alimentos. Mas, tal como qualquer pessoa, depois chamada de publicitários, ao longo de milhares anos, conseguiu convencer seus pares a irem com ele.

Até chegar ao que hoje é o Egito no norte da África e dali seguir para a direita – a Ásia, e da Ásia para a esquerda na Europa passaram-se pelo menos 60 mil anos desde o primeiro deslocamento, umas 3 000 gerações que se sucederam aprimorando a capacidade de sobreviver diante das variadas condições do meio em que se deslocavam.

Estes homo sapiens para sobreviver inventaram armas para defenderem-se e caçarem animais; também tiveram de aprimorar a forma de comunicar-se entre si, pois quanto melhor pudessem comunicar-se mais poderosos seriam como um grupo. O verbo aprimorado tornava o grupo unido muito mais eficiente do que qualquer um indivíduo isolado.

Este bando para garantir a sua alimentação criou artefatos de madeira e barro para conservar e consumir alimentos, o bando cobriu-se de peles e tecidos para proteger os seus corpos, justificando o sapiens adicionado em seu nome.

A longa marcha empreendida sem planejamento pelas primeiras das 3 000 gerações teve como consequência mais importante para eles e os seus descendentes o estabelecimento de regras para possibilitar a convivência mais harmoniosa dos grupos. Pois se estas regras expostas em palavras não existissem seria impossível o grupamento humano continuar a existir como tal.

Numa comparação com um grupo de macacos, primatas como nós, a convivência do grupo de seus membros se torna possível e repetida por milênios a fio, sem alterações comportamentais de qualquer espécie, pois não há diferenciação de tarefas dos diversos membros. Todos macacos num grupo conforme a sua idade, seu sexo, seu vigor físico, fazem as mesmas coisas sem a busca da invenção para tornar a vida mais segura ou mais longa.

Vilfredo Pareto, (1848-1923), sempre lembrado pela Lei de Pareto (dos 80/20) em que definiu que nos negócios 80 % dos lucros provem de 20% dos clientes, também tinha outras leis comportamentais derivadas de seus estudos matemáticos. A que importa aqui é a em que ele classificava a humanidade em dois grupos com características bem marcantes: a dos renteurs e a dos speculateurs em que os primeiros (a maioria das pessoas) vivem como locatários do mundo, não tomam iniciativas mais ousadas, buscam a tranquilidade profissional, emocional, artística. Evitam fazer marolas, evitam aparecer. Para este grupo sempre será mais fácil seguir do que tornarem-se líderes a serem seguidos.

Os speculateurs, ao contrário são os insatisfeitos, os que buscam sempre novas alternativas em suas vidas. O mundo evolui devido aos esforços, aos riscos, aos sucessos e aos insucessos dos speculateurs. Que segundo Pareto são 10% de qualquer comunidade.

O homo sapiens que convenceu o seu grupo na África a sair de onde estavam rumo ao norte foi o primeiro speculateur na História da humanidade.

O negócio da propaganda foi iniciativa de speculateurs.Como foi invenção dos speculateurs primitivos a construção (ou a descoberta) das religiões.

E estas manifestações da busca de relacionamentos com forças superiores à força do grupo isolado foram determinantes no aprendizado das tarefas básicas da propaganda.

Antes da criação da escrita a busca de um vínculo com a divindade – tal como ocorre ainda hoje nas tribos indígenas da Amazônia – o envolvimento e a proteção além do dia-a-dia no grupo são regras repassadas oralmente de geração em geração, cabendo aos escolhidos os ônus e os bônus deste contato íntimo com forças superiores.

A necessidade de compartilhar conhecimentos de forma a que todos os componentes do grupamento humano soubessem o que fazer para manter o bom relacionamento com as forças superiores incentivou a invenção da escrita.

Há 5000 anos os habitantes da Índia escreveram o Bhagavad-Gita, o primeiro dos livros sagrados em que Krishna em 250 versículos instrui como devem agir e comportar-se os homens. Era só seguir o que estava escrito e as dúvidas paralisantes deixavam de existir. Bastava viver conforme as regras escritas.

A existência da crença e a sua difusão entre os grupos foi o primeiro uso prático da propaganda. Sua invenção foi uma necessidade ditada pelos mesmos imperativos da existência da propaganda hoje e para a sua evolução por quantos séculos e gerações que nos sucedam.E sempre em todos os pontos da Terra foi cercada de magia e mistério, por si sós, um grande atrativo para tornar as palavras aceitas pela maioria.

Quando a espécie criou a escrita há 6000 anos as regras da convivência e as crenças religiosas começaram a ser definidas e aplicadas em benefício sempre da sobrevivência mais sadia dos grupos. Estes textos em pedra e em argila são as primeiras formas de propaganda com acesso ampliado por independer de um comunicador presencial.

A palavra como mágica para gerar comportamentos


Ao dominar a palavra por tantos milênios nós os homo sapiens – ou pelo menos alguns de nós – temos a certeza de que as palavras são essenciais para convencer os demais de nossa espécie, mas a força das palavras não vem simplesmente de as usarmos:a força maior vem da maneira como são combinadas e usadas para a partir do cérebro de quem as ouve ou as lê, as pessoas estejam convencidas de estar fazendo o que é certo.

Descartes, no Discurso sobre o Método, nos anos 1600, fez uma observação que você tal como eu, e tal como ele naquela época temos absoluta certeza de estar correta:

Qualquer pessoa,em qualquer grupamento humano, se perguntada o que gostaria de ter a mais para ser mais feliz ou ter uma vida mais completa jamais colocaria em primeiro lugar o “bom senso”.


Dinheiro, posses, posições, poder, amores, amizades você pode selecionar uma infinidade de desejos humanos e em nenhuma destas listas o “bom senso” vai aparecer como anseio pessoal.

E, no entanto o bom senso está na base de todo raciocínio para que alguém tenha condições de usar palavras para convencer outras pessoas a fazerem (ou deixarem de fazer) alguma coisa.

O convencimento pode ser obtido de várias formas:

1.Pela adesão imediata sem hesitação a uma bateria de determinações mais poderosas.
Tal como acontece com as Leis humanas, ou Leis Divinas que não deixam espaço para tergiversações.
2.Pela necessidade de seguirmos o grupo, mesmo que não sejamos levados a isto por alguma determinação mais poderosa. Tal quanto decidimos sair de uma área de risco, pois o risco da permanência lá se torna muito evidente.
3.Por atendermos às necessidades de Ganhar Dinheiro
4.Economizar Dinheiro
5.Economizar Tempo e Trabalho
6.Ajudar a Família
7.Sentir-se Seguro
8.Impressionar os outros
9. Ter prazer
10.Aprimorar-se
11.Pertencer a um Grupo


Mas, em todos estes casos de convencimento a palavra , a palavra que promove a sintonia entre a cabeça de quem por ela é atingido, precisa ser tratada com o mesmo respeito como é retratada no versículo bíblico que inicia este texto.

Na próxima postagem vamos conversar sobre os aspectos hipnóticos da palavra num texto.

Um comentário:

Victor Motta disse...

Pio, muito bom texto. Me apropriei da ilustração, espero que não se importe.