segunda-feira, 8 de junho de 2009

Pensar e transformar o pensamento em vício. E daí?

Os amigos que acompanham o Almanaque do Pio devem estar percebendo um ar filosófico talvez mal posicionado nestes textos relacionados ao marketing.

Eu também, como primeiro crítico destes textos, tenho notado o surgimento de um “marketing filosófico” que possivelmente será repudiado por filósofos e muito mais ainda por gente de marketing que poderá classificar estas visões como atividade de quem tenha uma agenda folgada demais...

Diante da liberdade de opinar e de demonstrar conhecimento e preocupação com o acidente do Airbus da Air France (em que literalmente todos têm uma opinião) me vi numa situação incômoda de progressivamente saber mais sobre o desastre e nada poder fazer com este conhecimento acumulado, a não ser pensar duas vezes antes de embarcar num Airbus.

Lembrei então de uma frase marcante de um professor de matemática que tive no Andrews, Miguel Ramalho Novo, um notável mestre que nutria um desprezo olímpico em relação às disciplinas não relacionadas aos números.

Uma vez, ao definir a metafísica, em função de comentário de um aluno disse:

- Metafísica é uma coisa que com ou sem a qual é tal e qual.

Porradona , tão bem dada que hoje mais de 50 anos depois de tê-lo ouvido dizer isto imagino como de forma talvez menos incisiva ele poderia exprimir conceitos semelhantes em relação à Filosofia, e à Filosofia de Marketing em especial.

De fato, se você consultar os circunstantes, em casa, no trabalho, na escola, onde quer que seja, existir ou não existir filosofia não fará diferença alguma para a imensa maioria absoluta das pessoas na Terra.

Mas, tanto há 50 anos quanto agora, continuo achando que no “sistema operacional” humano, coisa de que não se cogitava então, a filosofia aprendida ou natural faz toda a diferença na busca da felicidade diária por nós todos.

Em meio a uma acalorada discussão neste fim de semana sobre o que estava ocorrendo na Terra subiu ao nível consciente um verso perdido de uma tradução do Se, de Rudyart Kipling.

Naquela sua receita para a formação de um homem, nascida na Inglaterra todo poderosa num império em que o sol jamais se punha, ele disse que para ser um verdadeiro homem, dentre outros atributos, não se admitia quem fizesse, ou tornasse, seu pensamento em vício.

O pensamento como vício, na minha interpretação, é o pensamento emasculado, incapaz de se tornar em ação, em que conte com a sua bela aparência externa apenas para tirar de cena a necessidade de verificar se na vida prática as suas verdades serão comprovadas.

Goethe, em algum texto seu, chegou a dizer que as ideias são esboços em preto e branco enquanto a realidade, por menor que seja, é colorida. Num exemplo radical: todas as teorias sobre como escalar uma montanha não valem nada diante da experiência de alguém que já escalou. Mais ainda , que já tenha escalado e superado dificuldades para atingir a sua meta, talvez fora das regras, mas bem sucedido, apesar disto.

A realidade da escalada feita é em puro technicolor, mesmo num quadrinho pequeno, enquanto todas as teorias bonitas são em preto e branco.

O fascinante do momento em que vivemos é que oportunidades de julgarmos coisas como as causas do acidente do Airbus, se multiplicam e se potencializam a cada instante nos levando a todos a cair na tentação de transformar o pensamento em vício. Todos recebemos um fluxo de dados e informações que nos assegura confiança ao correlacioná-los e chegar a conclusões bem embasadas, e possivelmente, falsas.

Uma listinha limitada destas situações repletas de dados está aqui:

1. Presidentes de países precisam ser cultos, bem informados, instruídos para tomar decisões em favor dos povos que os elegeram.
2. O processo democrático, nascido na Grécia há 2500 anos e evoluído ao longo da História da Humanidade, é e sempre será a única forma de assegurar a convivência harmoniosa e bem sucedida para a maioria das pessoas nas várias comunidades ou países.
3. Há pessoas e entidades a todo o momento cujas opiniões e direcionamentos serão sempre merecedoras de respeito e adesão de todos que se considerem politicamente corretos.
4. Os seres humanos, como nós, somos os “proprietários” e detentores de poder de vida ou morte sobre todas as demais espécies do planeta, e do universo que nos cerca.
5. A existência da vida é tão óbvia e natural que não nos cabe discutir nem questionar qualquer de seus aspectos, muito menos aquele mais simples de todos: Para quê?

O problema maior ao enveredar em debates sobre estes cinco ou quaisquer outras centenas deles (não mencionada aqui) “perde-se tempo”.

Perder tempo é não transformar 60 segundos que voam em um minuto de tarefa boa, num outro verso do Se na tradução que li na minha infância, o que de maneira definitiva deveria barrar este exercício intelectual.

Discordo, porém e radicalmente da classificação do pensamento especulativo em vício e de que não seja ele uma tarefa boa ao nos posicionarmos no mundo em relação a todos os conceitos.

Diante dos poucos anos que temos a nosso dispor para fazer isto, com o apoio de tantas pessoas muito inteligentes que nos precederam, acho que não pensar nisto, sim, é a maior perda de tempo que um ser humano pode sofrer.

O twitter com seus 140 caracteres me parece uma ferramenta adequada para se começar a fazer isto...

5 comentários:

Fábio Adiron disse...

Pio

Não entender que a filosofia (ou a sociologia, ou a antropologia, ou a psicologia) permeia todas as nossas atividades como humanos e, portanto, nas nossas atividades profissionais também, é só uma forma de tentar viver sem reflexão.

Parabéns pelo texto. Nos próximos não deixe de abordar, além da metafísica, a teleologia, a ontologia, a deontologia. E, claro, a poética.

Precisamos de mais Aristóteles e menos receitas de bolo.

Forte abraço

Braulio França disse...

Penso, logo existo...Deus existe? Não, porque Deus é! E porque Deus é, eu existo, fui criado e se penso, é porque, pensar, vem de Deus!

João Marcelo disse...

Lembro de escutar os comentários de um amigo, que dizia que uma parte imensa da nossa vida na verdade não existiu.... estávamos apenas pensando, esperando, lembrando... não transformar pensamento em vício seria, a partir daí, pensar menos e fazer mais? Não!!!! Melhor fazer tudo ao mesmo tempo...

E no Marketing Direto, planejar, criar, produzir, divulgar....para que as nossas campanhas aconteçam e planejar demais não seja algo transformado em vício...

Pio Borges disse...

Nunca foi tão acessível o universo filosófico, e por isto mesmo, nunca foi mais difícil mergulhar nas suas ondas sem medo de ser embolado.
Quanto a mim, confesso, mesmo diante do risco de me tornar muito desagradável tenho adotado a postura da dúvida diante de todas as manifestações. Em especial daquelas em que as dúvidas são politicamente incorretas, para dizer o mínimo.
Hoje, (dia 15 de junho)o Globo, tem um artigo sobre as cotas raciais cuja leitura considero crítica para todo mundo que pense.

João Marcelo disse...

Pio, não tive acesso ao Globo.... quem sabe aqui no Almanaque?