Há um bom número de anos desenvolvi uma mala direta para vender terrenos em Búzios numa área anteriormente ocupada por uma salina. O empreendedor tinha absoluta certeza do sucesso de seu novo loteamento e fez questão de exigir que o título a ser apresentado aos possíveis compradores era exatamente este:
Não deixe a sua vida para depois!
Ele deveria estar na ocasião com uns 60 anos ou mais e argumentava com entusiasmo ser esta a frase que de fato impulsionaria os indecisos a investir na esperança dos prazeres a serem vividos na nova casa.
Se há uma palavra que desliga a atenção das pessoas é o NÃO, associada que está às primeiras frustações de todos nós. Por isto a minha consciência profissional se insurgia contra uma criação minha iniciada pelo NÃO fatal.
Mas o cliente insistia, não com a argumentação simplista de que eu sou cliente, portanto faça o que ordeno, mas com o ardor de um evangelista reafirmando ser o NÃO justamente o ingrediente secreto de nossa mala direta.
Segui a orientação dele. E vendemos praticamente todos os lotes com a mala direta enviada aos associados do Diners. Os demais - a minoria - foram vendidos no estande de vendas amplamente divulgado ao longo da estrada.
Nos cartazes o apelo era o mesmo: Não deixe a sua vida para depois!
Hoje de manhã ao me encaminhar para a agência parado num sinal de trânsito em Copacabana vi um cidadão de seus 80 e poucos (ou talvez muitos) anos cruzando a rua Toneleros com um passinho curto, mas com o olhar atento aos carros parados e uma atenção ainda mais especial quando ouviu uma motocicleta chegando entre os veículos parados.
Tranquilizou-se e seguiu até o outro lado da rua, com toda a lepidez que a sua idade permitia.
Foi a primeira vez no dia que a frase do empreendedor de Búzios saiu de algum cantinho oculto de minha memória e surgiu como um cartaz luminoso na minha frente:
- Não deixe a sua vida para depois!
Caramba!
Quando ajudei a vender aqueles lotes em Búzios com aquela frase mágica ainda estava numa fase da vida que Fernanda Torres classificou em seu artigo desta semana na Vejinha Rio como a do homem imortal que segundo ela nos afeta a todos do sexo masculino até os 50 anos.
Ao assistir a travesia do transeunte idoso me dei conta da sabedoria mais profunda da frase e de como seria importante seguir o seu conselho.
Já sabemos, como profissionais dedicados ao convencimento de nosso público, que a tendência de procrastinar decisões é a maior barreira a vencer quando temos a oferta certa, o produto certo, para o público certo. A tendência é deixar aquela decisão e todas as outras para depois.
Tudo que aprendamos para fazer reverter esta preguiça mental de deixar uma área do "nada fazer" para a área do "fazer" é segredo bem guardado das empresas que conseguem obter mais sucesso (mais vendas) e dos profissionais que sabem usar estes recursos.
Me dei conta, ao assistir os esforços do cidadão ao atravessar a rua, que esta "preguiça" não se aplicava somente às decisões de compra: ela é muito mais importante e uma exigência diária em relação às nossas próprias vidas.
Fui plenamente recompensando por este raciocínio deflagrado ao presenciar os esforços do cidadão cruzar a rua um pouco mais adiante: diante do Hospital Miguel Couto seguiam pela calçada uma menininha de seus 2 anos, bem agasalhada (hoje o Rio tem 19° C de temperatura!) e a sua mãe.
Não há para onde ir quando se anda naquela calçada além do Hospital, pois daí em diante há apenas a entrada de veículos dos sócios do Jockey Clube, e quilometros de muros.
Elas iam ao Hospital visitar alguém.
Enquanto a mãe exibia um ar tenso e preocupado, a meninha soltou-se da sua mão e saiu dando uma corridinha saltitante e feliz, risonha e cheia de entusiasmo em direção à porta do Hospital.
Imaginei mil explicações para aquela alegria toda, e fiquei feliz de numa única viagem de automóvel ter me defrontado com a frase aplicada a um idoso e vê-la confirmada alegremente pela menininha.
Ela não estava deixando a sua vida para depois, ela se antecipava a ela com aquela alegria matinal e bem agasalhada em sua corridinha.
Agradeci muito pela "coincidência" de receber uma confirmação imediata quanto à correção de minhas elocubrações no trânsito...
2 comentários:
Sobre a frase na mala direta, só posso dizer que, se toda regra tem excessão, essa regra encontrou a sua... e de forma brilhante!
Mas, impossível ler este Almanaque e não parar para pensar um pouco... vou almoçar pensando... e muito grato, amigo! Moramos longe e ainda sinto falta, mais de 15 anos depois, daqueles dias na Ogilvy, quando era seu estagiário e podia sempre aprender algo novo! Que bom que existe a internet e que você resolveu dividir sua inteligência conosco!
Pio
O Gil já cantava que o melhor lugar do mundo é aqui e agora.
Cada adiamento é só uma forma de perder oportunidades preciosas.
Por isso mesmo que quando meu RSS me avisa dos seus posts, eu nunca deixo para depois.
Abraço
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