Os positivistas faziam para mim parte de um pano de fundo mental relativo à formação do Brasil.
Havia menções sobre eles – Benjamin Constant , em especial,- nos livros de história, e parava por aí.
Quando comecei a por volta dos anos 60 do século passado a avaliar melhor a importância deles na formação da república brasileira a sua influência já era totalmente insignificante no dia a dia de nós todos.
Positivistas estavam em minha cabeça arquivados – sem que com isto desmereça quem vai ser citado a seguir – outras facções em que reuniam pessoas cheias de méritos intelectuais e morais, gente bem formada, mas que não empolgavam as multidões.
Junto com os positivistas estavam kardecistas, rosa-cruzes, cientologistas, praticantes da yoga (quando seus líderes no Brasil podiam ser contados nos dedos de uma mão) , teosofistas, e vários outros sempre respeitados a priori e ignorados logo em seguida pelos que não seguiam suas teorias e práticas.
No entanto diferentemente destas outras atividades e crenças os positivistas mais do que falaram, agiram.
Augusto Comte, o fundador do positivismo, a religião da humanidade, engendrada por ele num momento de grandes invenções e descobertas no século XIX propunha o abandono pelos homens de todas as referências “mágicas” ou relacionadas a deuses, ou espíritos.
Comte pregava que estas coisas não teriam sentido se não pudessem ser comprovadas cientificamente.
Nada de teosofia,teologia. Nada de metafísica. Se o que se dizia ou pregava não pudesse ser comprovado nos laboratórios e nas universidades devia ser jogado no lixo para não levar o homem a abdicar de sua virtude máxima: a inteligência.
A relação dos nomes dos líderes positivistas brasileiros é a mesma lista dos líderes republicanos brasileiros. Eles eram a melhor expressão da intelectualidade brasileira. Eram um exemplo invejável de que todos os brasileiros se orgulhavam.
Viver às claras, era uma de sua máximas praticadas no grande templo do Rio de Janeiro que tinha (e ainda tem) em seu frontispício a frase “O amor por princípio, a ordem por meio e o progresso por fim”.
Não foi a toa que a frase mereceu este destaque: de forma muito mais sintética do que os 10 mandamentos e numa sucessão de apenas três pontos - Amor,Ordem e Progresso – era a fórmula para a vida harmoniosa em sociedade.
Quando a República foi proclamada em 1889 com a deposição do governo imperial, coube aos positivistas dizer o que seria a república brasileira.
Não queriam que houvesse um resquício dos poderes do imperador e do império. Nada que elevasse um cidadão “por direito divino” acima dos demais.
O país, libertado da família imperial, precisava definir como iria ser. Precisava de saída de uma nova bandeira que representasse a nova república.
O desenho desta primeira bandeira foi pintado por Décio Vilares,um festejado artista da época. Mas sua concepção foi de Raimundo Teixeira Mendes (positivista), Miguel Lemos (diretor do Apostolado Positivista do Brasil) e Manuel Pereira Reis (astrônomo) Décio Vilares a desenhou.Esta pintura da bandeira foi roubada do templo positivista em abril de 2010 e até agora em agosto ainda não foi encontrada.
Mais do que um furto, o sumiço da bandeira positivista tornou-se assim a melhor expressão do que ocorreu com os positivistas.
O templo está em péssimo estado de conservação. O telhado desabou em parte, sua rica biblioteca histórica está preservada da chuva por uma lona de plástico preto. O número total de positivistas remanescente é estimado em não mais de 20 pessoas.
A proposta dos positivistas para a bandeira com a esfera celeste e uma faixa reproduzindo a latitude do Rio de Janeiro, onde se lê Ordem e Progresso foi, no entanto a evolução minimamente traumática da bandeira do Brasil Império.
O verde e o amarelo, exatamente como estão hoje na bandeira brasileira, estavam na mesma posição da bandeira desenhada por Debret em 1822.Debret veio ao Brasil na missão artística francesa chegada ao Rio em março de 1816.
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O que mudou na nova bandeira foi a retirada das armas do império e a troca pelo céu azul, com as estrelas representando as unidades da federação numa reprodução dos céus (no Rio) na noite de 15 de novembro de 1889.
Como estes positivistas tão importantes para a história do Brasil perderam a sua influência a ponto de pouco mais de 70 anos depois um jovem jornalista ávido por informações ter deles uma visão tão condescendente?
Aqui vai uma proposta de discussão a ser melhor analisada por pesquisadores mais qualificados do que o editor deste Almanaque.
Quando Augusto Comte morreu em 1857 o mundo ainda não havia tomado conhecimento do Manifesto Comunista . E sem a menor dúvida depois de sua publicação, e do aparecimento de Marx e Engels, o monopólio da quebra de verdades históricas passou a ser a bandeira mais importante dos seus seguidores – com as suas múltiplas faces – em todo o mundo.
Enquanto o positivismo no Brasil já se havia provado campeão do pensamento inovador – sempre por inspiração na religião de Comte – o comunismo começava a se mostrar como o caminho do paraíso para todos os povos que se sentiam oprimidos.
Quem era inconformado com as condições da convivência humana no início do século XX ia para o comunismo e sequer cogitava do positivismo e de suas determinações morais tão assustadoras para os pecadores quanto a lista de pecados reunidos pela igreja em 1900 anos.
E, no entanto no movimento cíclico das crenças e fidelidades intelectuais houve uma decadência profunda no movimento comunista no mundo nos últimos anos do século XX. E um intenso movimento em busca de verdades antes não abordadas por pesquisadores, munidos agora de ferramentas que fariam Augusto Comte acreditar ainda mais nas propostas dele para o positivismo.
A tendência da humanidade é não voltar sobre seus passos, e mesmo com a colocação agora do positivismo no foco das notícias é muito pouco provável que o estado de miserabilidade do seu templo sirva de incentivo para a formação de novos positivistas.
A queda dos positivistas depois de terem reunido tanto poder no Brasil choca bastante quem não analise o que ocorre como um cenário de mudanças contínuas. E cada vez mais rápidas.
Cabe a nós todos observadores/atores estarmos sempre preparados para mudar. Mas, não custa nada tendo o amor por princípio, a ordem por meio e o progresso por fim.
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